Pato Fu - Canção pra Você Viver Mais
No sofá da sala resolvi escrever...
"Oi,
hoje completam dez anos, que eu parti, me lembrei de seu sorriso molhado pelas lágrimas que rolavam nas últimas palavras que lhe dediquei olhos-nos-olhos.
Lembrei-me hoje, como se agora à pouco tivesse sido.E eu tivesse ido até você me despedir.
Foram tantos os anos que se passaram, e as recordações do que vivemos, não se apagaram, mas confesso, elas mofaram junto com as poucas coisas que carreguei comigo. Mas cada uma delas, ainda tenho aqui. Poderia lhe dizer sobre a Clara, minha boneca, que hoje já não tem mais aqueles olhos azuis que eu tanto amava, mas ainda possuí a mesma roupa romântica que eu tanto arrumava. E eu tenho também, o livro de contos infantis que deu à mim, quando completei 4 anos, e você o lia dia-a-dia assim que o sol nos acordava, dizia que o meu dia ficaria melhor com mais encanto e imaginação, contava-me histórias ao acordar, para que eu pudesse durante todo o dia criar a minha própria história e a noite sonhar com ela, para que no outro dia pudesse continuar...
...Eu ainda me lembro do timbre de sua voz, e não me esqueci do gosto de seu arroz-docê, que você sempre fez questão de manter algum segredo.
Esses dez anos, me fizeram tão bem, mas ao mesmo tempo eu não me entendo. Sinto falta do pátio da escola, de ver você no portão me esperando, me olhando com um sorriso manso, roupas sempre claras, fala macia e pausada. O seu cheiro por mais que eu tente me lembrar, ele me falha...
... inodoro, sei que não era, e recordo-me que você sempre usara um perfume de flores, levemente amadeirado, adocicado. Eu queria poder sentir este mesmo cheiro agora.
Dez anos, de saudade e acomodação. Eu jamais me abalei por minhas dores, me transformei naquilo que sonhei, eu virei uma contadora de histórias, as invento e as espalho pelo mundo, eu faço chorar, faço rir e refletir.Quebrei as barreiras dos meus sonhos, as história que me contou todos os dias ao acordar me fizeram ser o que sou, sim. Eu sou uma contadora de histórias.
Mas neste tempo, não me lembro, se a coloquei na lista daqueles que poderiam receber os exemplares de meus títulos, e compartilharem comigo a vitória.
Eu conto histórias, mas não tenho memória, talvez por isso eu as escreva. E talvez por isso também, eu não tenha me lembrado de outras coisas que vivi contigo, pois não me lembrei de abrir meu relicário, lá está repleto de você, de teu amor e devoção, e sobretudo o livrinho de contos infantis que me inspira até nesta hora, em que crio coragem para lhe escrever, a história que acumulei por dez anos, guardei em minha falha memória.
Minha arrogância, não me deixa com que eu peça perdão. Mas peço desculpas.
Desculpe-me por ter a retirado de minha vida, desculpe ter lhe causado tamanha ferida, com a minha ingratidão...
...Talvez eu amenize minha culpa se eu disser que mesmo ausente, você é quem construiu quem eu sou, a base tem seu jeito.(Mas talvez dizer isto só aumente mais o meu erro)...
...Hoje eu senti medo, de não poder lhe dizer tudo que gostaria à tempo. Se é que ainda posso falar sobre tempo, já que por algum, você ficou apagada de minha existência, logo você, que me fez existir. Lamento, sempre imaginei que fosse ser melhor para você, mas errei.
...Eu não sou mais a sua menina, que gostava de fazer bolas-de-sabão, no quintal junto a laranjeira. Tampouco sou aquela que cantava para os pássaros, como se mais uma deles fosse.
Hoje está doendo saber que você não me conhece mais, e não sabe quem eu sou, e por culpa minha.
Fiquei por algum tempo imaginando como estara a nossa cidade, aliás a sua, pois depois de algum tempo apenas a retratei para ilustrar ainda mais as minhas histórias, mas ela parecia apenas fruto de minha imaginação, pretensão. Uma cidade tão linda com ar calmo de "seja-bem-vindo".
Eu criei tantas histórias, vilãs, donzelas, questionadoras, revolucionárias... Damas e senhores enloquecidos, tantos mistérios e até amores.
Mas hoje, eu concluí que tudo que eu criei foi por uma frustração de não ter vivido algo maior e mais completo. Criei tudo que não fui, e gostaria de ser.
...
-------Hoje estou tentando me redimir com Deus, me redimir com você, e se quer saber, minha melhor história foi de uma mãe, que caçava a sua filha pelo mundo, até a encontrar perdida em uma cidadezinha do Japão, vendendo legumes na rua, quase doida de tristeza, mas já necrosada por tanta arrogância de voltar para casa e pedir um abraço, um afago, um prato de sopa quente, e o direito de chorar em paz.
Esta foi sem dúvida a mais triste e mais comovente, e foi também a que me levou menos tempo para escrever, pois estava dentro de mim desde o primeiro ano em que a deixei, para construir minha vida como você me disse desde criança...
...Eu apenas não a queria fazê-la longe de você, mas decidi que deveria seguir, e não olhar para trás, como você me disse um dia, "Siga sua vida sempre, e não olhe para trás". Eu fui...
Trago comigo, esta mais bela história, dolorida, e o grande desejo dela ter sido verídica, e que minha arrogância fosse vencida pelo seu desejo de me ter, como quando em seu ventre, ou até quando junto ao teu seio lhe pedindo alimento. Por estes anos que se arrastaram, eu esperei por sua chegada, que você estivesse me procurando assim como fazia quando em casa eu me escondia de você, por ter feito algo errado. Ou por simplesmente ter necessidade de sentir-me encontrada por quem mais amava.
Fazem dez anos que parti,
mas você está em mim. E eu precisava lhe dizer, que ainda amo você.
Me lembro de nossa casa, simples, bonita e arrumada e como me doeu quando ela foi se afastando de minha visão enquanto o carro ia tomando seu caminho, me levando de encontro com o mundo onde você não estava, dez anos se passaram, mas esta lembrança não se apagara.
Estou escrevendo mais uma vez, para me aproximar de tudo que não fui, do que não tive. E por estes anos não tive mais seu colo, sei que já sou grande, ou talvez penso ser, meus 32anos já mostrar marcas de você, um olhar meigo e um sorriso manso e umas linhas em lugares que só você tinha.O que escrevo hoje é somente para você, quero fazer-lhe sentir e sentir-me. E em meu egoísmo sentir muito mais de você.
Mãe, eu preciso de você!"
22:55
Inglaterra- Londres
levanto-me,
abro a porta.
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Perdão,
eu precisava lhe pedir.
(só me faltava coragem)
Eu amo muito você.
mesmo que você,
não conhecesse mais à mim.
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